Halifax e outros destinos – Uma coleção de fotografias de viagem – Marco Resende e José Roque
Rogério Soares | Fotógrafo, Jornalista e Professor de Fotografia e Semiótica. Mestre em Semiótica.
A princípio
Minha admiração a todos fotógrafos que detém essa rara habilidade em trabalhar com fotografias de paisagem, pois entendo o quanto é preciso ser corajoso e criativo, quando se tem a frente um referente que em 99% dos casos “insiste” em se manter imóvel.
Ainda bem, pois no dia que uma montanha se mexer, eu serei o primeiro a sair correndo.
Retomando …
Também aproveito para confessar uma particular indagação, a qual sempre permeou meu pensar sobre fotografia e semiótica,,, “essa mania de todo semioticista, que não se contenta em ver imagens, mas sim, em tentar decifrá-las.”
A tempo,
em Semiótica, por convenção, aprendemos que algumas fotografias naturalmente se inscrevem numa categoria conhecida por “imagens denotadas”. Ou seja, fotografias cujo conteúdo semântico (mensagem) “repousa na superfície”. Imagens meramente plásticas, logo econômicas em sua significação.
Sobre isso
Infelizmente acredito que alguns “maus leitores” ainda coloquem as fotografias de paisagens neste tão ínfimo lugar.
Discordo veementemente.
Pois num exame mais apurado, garanto que as mesmas trazem pertinentes dizeres, pois certamente detém em seu interior um discurso repleto de significações. Dito de uma forma mais simples,
Assim
As fotografias de paisagens, com suas perspectivas, cores, matizes e contrastes, e pela habilidade de seus autores, são capazes de “transportar” o leitor a esse universo pictórico. Através delas, o fotógrafo entre tantas coisas, nos “fala” sobre as peculiaridades de cada região, além da atmosfera e dos códigos culturais, religiosos e sociais de seu povo.
Um outro ponto.
Como sabemos, em seu “estar no mundo”, a maioria dos seres vivos, viram suas ações, expressões e até mesmo suas emoções sendo a todo momento capturadas por alguma objetiva. No entanto, nas fotografias de paisagens, a ação principal, parece ser “encenada” apenas pelo fotógrafo na composição de seus refinados enquadramentos. Pode não parecer, mas este a meu ver, aí está o “segredo”.
Explico
A fotografia jornalística, por exemplo, é basicamente uma fotografia de “espreita” onde cabe ao repórter fotográfico a competência em sintetizar- registrar os acontecimentos ocorridos a sua frente. Assim, a essência das ações, ou o desenrolar da narrativa, cabe a quem está na frente da câmera, dito, o referente.
De outra forma,
Na fotografia de paisagem, sendo esta a meu ver, uma fotografia de contemplação, os elementos naturais e urbanos parecem estar sempre prontos e a espera de quem os admire e cultue. Cabe então ao fotógrafo, “brilhar” através do domínio de suas escolhas técnicas (milímetros das objetivas, captação em cor ou em p&b, iluminação e etc…) as quais serão capazes de assegurar as suas imagens toda significação ou sentido.
Ainda neste mesmo percurso
A fotografia de paisagem, como toda fotografia, sempre recupera traços da identidade de seu autor.
Ou seja
Quando se aproxima ou se afasta da cena, ao selecionar a luz, ou antevendo ângulos, planos, foco e perspectiva, entre outros ajustes, o fotógrafo serve-se de uma intuitiva e particular gramática visual, com a qual guiará seus “leitores”.
Estáticos, os elementos plásticos contidos na imagem, agem como tinta no papel.
Esse é o “nó”.
Sem interagir diretamente, as paisagens abrem espaço para que o fotógrafo (como num espelho invertido) apareça. Não a sua figura, mas principalmente o particular modo como enxerga, dá vida e entrega o que viu ou “recortou”. Podem acreditar, nas imagens por ele criadas, o caráter íntimo de suas crenças e seu próprio intelecto acabam emergindo, vindo à tona.
Assim …
As fotografias produzidas por Marco Resende e José Roque, surpreendem não somente pelo impacto promovido por sua força e beleza plástica, mas também pela eloqüência das mensagens contidas em seus “frames”.
Sobre a Semântica
O conteúdo sígnico proposto pelo trabalho de ambos, sem dúvida joga com o dualismo semântico – natureza x urbano. Tal afirmação encontra respaldo ao constatarmos a rica oferta em elementos significantes como: mar, montanhas, deserto, fontes e geleiras, notadamente ligados ao conceito de “Mãe Natureza, logo ao que é divino ou criado por Deus. Em contraponto, o aspecto terreno ou humano é igualmente reverenciado por edificações como: templos, castelos, escadas, estradas e cidades no duplo conjunto de fotos.
Sobre os Fotógrafos
Em algumas fotografias produzidas por Marco, como a do Monte Fuji, por exemplo, o simbolismo proposto pela grandiosidade da natureza em relação ao diminuto templo situado no canto do quadro, da conta de demonstrar, o quanto o fotógrafo sabe por em “jogo” a dicotomia Natureza x Homem. O fotógrafo geralmente opta por planos abertos, e ao abarcar grandes áreas, inebria nosso olhar através de cores e brilhos ricos e intensos, como é o caso, por exemplo, do esplêndido registro da – Aurora Boreal – Noruega.
A natureza explode numa iconicidade surreal.
Além de apresentar magistralmente locais e pontos emblemáticos da história da humanidade, as fotografias de Marco impressionam não somente pela sobriedade e magnitude dos planos trabalhados, mas também pelo pesado investimento em contrastes arrebatadores.
A “solidão” ofertada pelas imponentes paisagens como o deserto de San Pedro do Atacama, bem como pelos desfiladeiros encontrados no Parque Nacional Zion – EUA – facilmente contracena com a dramaticidade arquitetônica encontrada em metrópoles como Praga, Roma e Moscou ou ainda nas vilas de pescadores de Lofoten na Noruega.
E como não nos rendermos a essas imagens carregadas com céus grandiosos, e que por vezes, chegam a fundirem-se com as águas, ao tempo em que, ora sentimo-nos subjugado pelas gigantescas colunas de templos como “Split” – Palácio Diocleciano, e ora chegamos a acreditar flutuar nas alturas.
Assim,
Marco intui e institui o olhar do “estrangeiro”. Sua mirada não “joga a âncora”, mas ao contrário, mesmo deixando rastros, ainda pede passagem.
Genial !!!
Com a mesma excelência, as fotografias de José Roque sutilmente imprimem sua identidade. Seu pontual olhar denuncia o quanto ele conhece, pertence ou deseja pertencer aos lugares fotografados. É o típico olhar do cronista, que ao transitar com sua câmera pelos caminhos de Halifax – Canadá –sente-se a vontade em contar pequenas histórias. Por essa razão, acredito que ele busque não somente apresentar de forma “enciclopédica” suas paisagens, mas mais do isso, que tente aproximar, colocar o leitor e cenário em perfeita sintonia.
Como é possível perceber
Os instantâneos produzidos por ele, por vezes trazem indivíduos anônimos, cuja presença instiga o leitor a querer saber mais sobre eles, sobre seus fazeres ou sobre a realidade local. Trabalhando em áreas urbanas, explorando enquadramentos mais fechados, por vezes em contraluz, o autor ao investir em ângulos insólitos, consegue intuir no leitor sua experiência como “repórter”.
É como se pudéssemos através de suas lentes, ativarmos nossa percepção sensorial, e desfrutarmos de atributos como dimensão, sensação térmica, ventilação e até mesmo o aroma e os sons existentes. Introspectivas, suas fotos em preto e branco carregam uma refinada sobriedade, onde ambientes habitados ou não, encantam não somente pela harmonia das formas, mas também pela força de elementos simbólicos como (água, escadas, balanço vazio – banco – ponto de interrogação) inclusos nas cenas.
No conjunto de fotos em que José Roque produz sobre Pictou – Canadá, a carga simbólica é notadamente sustentada por elementos arquitetônicos, onde a ação humana agora parece dominar o discurso. Exuberantes, suas fotografias em cor, mais do que “irradiar luz”, produzem um resultado icônico capaz de convocar um “grafismo” audacioso e dinâmico. Esteticamente, suas fotos com graça e elegância remetem nosso imaginário aos anos 60.
Genial !!!
Sem esquecermos
A leitura do conjunto ganha intensidade e ritmo pela cuidadosa expografia elaborada por Alexandre Eckert, na qual inúmeros signos “dialogam” e o olhar pode “se dar ao luxo” de correr solto ou ainda “repousar” sobre a inebriante planura dos quadros.
Rogério Soares: Fotógrafo, Jornalista e Professor de Fotografia e Semiótica. Mestre em Semiótica.