Mãos em ação
Por Iara Tonidandel, julho 2024
Em vários povos comer com a mão é uma atitude de cuidado com a saúde. O toque é fundamental para perceber o quão quente aquela refeição está e, ao tocar os alimentos, torna-se possível verificar se a temperatura deles não poderá provocar algum tipo de dano ao organismo. Por meio do olhar pode até se ter uma ideia sobre isto, embora sentir a intensidade do calor somente com o contato direto. Da mesma forma, ao olhar cenas de pessoas que sofrem em consequência de desastres ambientais, tem-se ideia desse sofrer, mas, somente ao contatar diretamente com essa realidade, consegue-se sentir e perceber, de forma diferenciada, o grau da tragédia vivida. Em muitas situações as instituições oficiais não conseguem atender de forma direta a todos que foram atingidos por esses cataclismas, sendo requerida a participação de pessoas que queiram, de forma voluntária, ajudar.
As comunidades que foram atingidas pelas enchentes que submergiu parcela significativa do território do Estado do Rio Grande do Sul no mês de maio de 2024, obtiveram apoio fundamental de diversos organismos humanitários formados por voluntários. O All Hands and Hearts foi um deles. A sua constituição traz o encontro da história de duas pessoas, David N. Campbell e Petra Němcová, que vivenciaram na Tailândia, de forma diferente, o Tsunami de 2004. Ele, prestes se aposentar, empresário norte-americano, após ter arrecadado fundos viajou para atuar como voluntário junto às vítimas desse desastre, o que o levou a criar e administrar a All Hands Volunteers, organização sem fins lucrativos atuante na reconstrução de locais atingidos por desastres naturais. Ela, super modelo tcheca, sobrevivente desse desastre ambiental que, após ter ficado por oito horas agarrada a uma palmeira foi socorrida por um tailandês que arriscou a própria vida para salvar a vida de estranhos, tomou como missão de vida ajudar na reconstrução de escolas e casas resistentes em áreas afetadas por desastres naturais, fundando a instituição de caridade, Happy Hearts Funds, em 2005. As duas instituições, parceiras em vários projetos de apoio humanitário desde 2007, decidem unirem-se em uma única organização, dando-se, em 2017, a criação da All Hands and Hearts (AHAH).
Acompanhando os noticiários internacionais sobre o desastre ambiental ocorrido no Rio Grande do Sul entre abril e início maio de 2024 e, tendo ciência da avassaladora catástrofe instalada pela enchente, a AHAH em 13 de maio constitui a Disaster Assistance Response Team (DART), equipe com cinco pessoas, cuja função principal foi de avaliar o potencial de abertura de um programa de resposta à enchente. Essa equipe iniciou a prospecção a partir da Região do Vale do Taquari e, chegando a Porto Alegre identificou na Região Metropolitana o espaço que necessitava com prontidão a implementação desse programa de resposta. A partir de 3 de julho o programa de resposta ao desastre à enchente, Brazil Flood Relief Program, já com a presença dos voluntários, foi posto em execução, tendo sua base de operação instalada no Centro de Distribuição do Clube Farrapos (CDCF). Visto terem sido enviadas mensagens pelo DART ao governo, em âmbito municipal e estadual, buscando orientação dos lugares com maiores lacunas de atendimento, e não ter obtido nenhuma resposta, direcionou suas operações de acordo com as indicações de líderes comunitários e líderes não formais, isto é, cidadãos exercendo função de liderança nos municípios de Canoas e Eldorado do Sul, nas Ilhas do Lami e no bairro Sarandi em Porto Alegre.
Com o intuito de conquistar mais apoiadores e incentivos, visto que o Brazil Flood Relief Program, no Rio Grande do Sul, tem o objetivo de estender-se até o mês de setembro de 2024, fez-se necessário a realização de registros fotográficos, promovendo visibilidade das operações de seus trinta e um voluntários de treze nacionalidades diferentes somando 1.700 h/voluntariado e investimentos de 95 ¢ de cada dólar doado ao programa. As ações dos voluntários incorporam desde o auxílio na distribuição dos itens arrecadados pelo CDCF, serviços de limpeza e higienização de onze casas, preparação e distribuição de cerca de 700 marmitas/dia, totalizando aproximadamente 20.000 (vinte mil) (em parceria feita com o Grupo de Velejadores Solidários). A atividade fotográfica, após contato com o Fotoclube Porto-alegrense, foi atendida de imediato e, de forma solidária, nossos associados atuaram, enquanto voluntários, junto aos demais integrantes do programa.
A fotografia, além de ser entendida e vista enquanto arte, presente em galerias e exposições, exerce função social de significativa relevância, visto possibilitar ao seu expectador, o exercício de olhar o mundo a sua volta e, por meio desse olhar, a realização de reflexões e narrativas, tanto em ordem individual quanto coletiva. A imagem é sempre provocativa, buscando, muitas vezes, pelo olhar que nela se deposita, despertar o desejo do seu expectador em se tornar um personagem de sua própria narrativa. As fotos realizadas pelos associados do Fotoclube Porto-alegrense junto ao Brazil Flood Relief Program, trazem essa ênfase em sua composição: o despertar do desejo de seu expectador em fazer parte dos gestos humanitários, da doação de nossa moeda maior – nosso tempo, ajudando aos que rudemente, no solo gaúcho, foram atingidos pelas águas que lavaram e levaram casas, sonhos, projetos, vidas.
Tal qual a tradição dos povos que, ao tocarem sua alimentação exercem cuidado na preservação de seus organismos, a solidariedade também se agiganta quando, ao transcender o olhar de um doador anônimo, se faz presente junto aos que necessitam de ajuda, de apoio, que rogam por calor humano, que sob medida, toca e aquece corações. O exercício do voluntariado é assim, ultrapassa os limites do olhar e doar. Voluntários abraçam pessoas, causas, ajudam a distribuir gentileza, carinho e afeto, em uma corrente do bem e para o bem.
O Fotoclube Porto-alegrense, em nome de seus associados, agradece a All Hands and Hearts, a oportunidade de, com as fotos capturadas por seus voluntários, contribuir na disseminação de boas práticas sociais, unindo-se às vozes do planeta Terra que conclamam por um mundo melhor. “Não podemos controlar a natureza, mas podemos controlar as ações que tomamos”. (Petra Němcová)
Texto: Iara Tonidandel, associada do Fotoclube Porto-alegrense Informações: Laura Milan, natural do Rio de Janeiro/Brasil, arquiteta, urbanista, integrante da equipe DART. Dados apresentados no texto datam de 04/07/2024.
Leiam também o artigo: “Solidariedade Através das Lentes“, por Comissão de Saídas Fotográficas FCPOA.
Maravilha de texto Iara, sinto orgulho em ter participado neste voluntariado e cobrir junto as suas ações heróicas.
Obrigada, Eloi. Orgulho do trabalho de vocês junto aos demais voluntários.